I wander around the city and its escapes, discovering the experiences that are worthwhile in a world full of noise.
As a curator of the best of Portugal and sometimes as a World traveller, with more than twenty years of articles published, in the national and international press, and also as an TV Show. author, this is my digital magazine, where I present my curated collection of exquisite life experiences.

Sancha Trindade

Montra Humana ‘a partilha’, O que a crise faz por nós

Partilha 110

‘O país move-se frágil. E o que pode parecer invulgar num primeiro momento, inunda-me de tudo ao assistir o desmoronamento das barreiras. Na humildade do privilégio de uma vida que será sempre uma bênção, não nos devemos deixar abater por sentimentos menos alegres. E é neste momento que consigo adorar o que a crise tem feito por nós. Há quanto tempo não recebíamos como nunca, nas cozinhas onde chegam os amigos com ingredientes nas mãos abertas…? É o elogio da humildade mais pura, abraçado a uma palavra que dá sentido à nossa passagem pela vida: a partilha’.

Recebi a inspiração na última Saída de Emergência, onde assisti feliz, à sentida invasão dos domínios dos bastidores de um cenário sem nódoas. Por trás do pano a analogia do conteúdo e o movimento de quem faz acontecer todos os dias as nossas cidades.

Sempre foi isso que me moveu quando iniciei no Príncipe Real Live, em 2009, a loucura de criar montras vivas oferecendo alguma irreverência à cidade. Depois de três anos de vida em Amesterdão a imaginação levou-me a elevar a luz de um vendido bairro holandês a uma causa maior. Dessas ruas onde aprendi que o à vontade com a solidão pode ser também um dos nossos maiores trunfos dos seres humanos, trouxe a reformulação daquilo que acredito ser o poder da transformação. Por isso acredito que dos momentos menos bonitos de uma vida teremos sempre a capacidade ou obrigação de transmutar o sofrimento em algo maior.

Depois de um escritório vivo em 2009, na hoje assassinada montra da antiga loja de Maurício Fernandes do florista Em nome da Rosa, e de uma sala na montra do Espaço B em Maio deste ano para celebrar o lançamento desta crónica, a ideia da cozinha surgiu-me acima de tudo porque é nesta divisão da casa, que acabamos sempre por ter as conversas mais puras. A procura de um espaço onde nos despimos de cristais e photoshop e onde na simplicidade acolho os amigos com a mesma alegria com que receberia no meu andar Atlântico.

Porque somos sempre maiores com os outros, não hesitei em pedir ajuda ao hostel The Independente, aquele que acredito ser o melhor projecto de 2011 da minha Lisboa. O restaurante do hostel, o The Decadente, invadiu a montra cozinha viva de criatividade com ‘a vivacidade gravada na pele, própria de quem quer oferecer à cidade mais um lugar onde se possa também viajar na mente.’ As mãos abertas do chef Nuno Bandeira de Lima e a energia contagiante de Duarte D’Eça Leal enalteceram este meu sonho a um nível maior. E tal como a minha vontade de não abandonar este país, sem a palavra ‘complicado’ ou ‘impossível’ dos dicionários de vida, mostraram mais uma vez o enorme poder de fazer acontecer o menos improvável.

A cozinhar na própria mesa e com os convidados à volta numa mesa onde nos ríamos apertados, por entre champagne e gargalhadas, partilhámos um creme de castanha, chantilly com infusão de erva-doce e raspas de chocolate que contrastava com os cinco graus que se sentiam na rua. Da Abóbora menina assada, com canela, alecrim e tomilho, uma enorme sensação de veludo e da Morcela de cominhos com chutney de cebola roxa e maçã congelo o tempo por uns momentos. São imagens que retenho nas sensações que ainda quero dar a esta cidade.

Na companhia da pureza de um suspiro ou de chocolates misteriosos, a capacidade de sonhar ou inspirar, sem nunca me deixar abater pelas energias mais densas, que nos destroem e nos fazem por medo ou ansiedade, não explorar os dons que trazemos a esta vida. E se os livros de Ruy Belo – que dormem nestes dias na montra – respiram que ‘o que é preciso é dar lugar aos pássaros nas ruas da cidade’ observo ‘o sacrifício que em nossos gestos há de sermos diários por fora’. E de uns extensos panos de cor carmim, do cenário português onde se tem movido tanto teatro, lanço um pedido ao universo: ‘Caiam agora que o amor chegou’.

crónica publicada a 9 de Dezembro de 2011 na Vogue

Príncipe Real Live
8 a 10 de Dezembro 10h – 24h
Montra Cozinha Viva
8 a 10 de Dezembro 18h – 24h
Babel Fabrico Infinito
Rua D. Pedro V, 74 Lisboa
Tel . 21 246 7629

A terceira Montra Viva de Sancha Trindade tem como objectivo dinamizar as ruas da cidade. A presença dos parceiros convidados não é cobrada e não tem qualquer fim lucrativo. A montra tem a parceria da Smeg, Paris-Sete, KitchenAid, Dualit, Rosti, Nespresso, Niu Sistemas, Espaço B, M.A.C. Cosmetics, o Alfaiate Lisboeta, Love is My Favourite Color, Fiuza, Jacob’s Creek Sparkling e restaurante The Decadente.