I wander around the city and its escapes, discovering the experiences that are worthwhile in a world full of noise.
As a curator of the best of Portugal and sometimes as a World traveller, with more than twenty years of articles published, in the national and international press, and also as an TV Show. author, this is my digital magazine, where I present my curated collection of exquisite life experiences.

Sancha Trindade

Pico do Refugio 31
Pico do Refugio 00
Pico do Refugio 11
Pico do Refugio 53B
Pico do Refugio 01
Pico do Refugio 21Pico do Refugio 24Pico do Refugio 29 BVogue

Haverá algum lugar no mundo tão especial que nos leve a tocar com as pontas dos dedos o ventre da terra? Sim, fica nos Açores, no Pico do Refúgio de São Miguel. Lá, onde o mar é maior.

De Ponta Delgada a caminho da poderosa Lagoa do Fogo, respira uma morada onde o sangue de um homem, viajante e sonhador, pulsa forte. Um exemplo de empreendedorismo português, inconformado, estoico até, nas palavras dos amigos. De uma casa em Rabo de Peixe, onde respira a linhagem da família Ataíde, Bernardo Brito e Abreu moveu montanhas para concretizar uma vontade: partilhar com todos os portugueses e viajantes do mundo a morada de família onde em criança cresceu para se tornar no homem, que hoje conta o que de tão forte o une a este pedaço de terra.

No topo do monte, a casa que guarda o coração do Pico do Refúgio tem uma vista de 360º de tirar a respiração. Rodeada de beleza por todos os lados, é no imenso terreno da quinta que os oito lofts e apartamentos  se verificam como um dos lugares mais privilegiados dos Açores. Não apenas por fugirem ao rústico tradicional, mas pelo carisma tão genuíno neste turismo rural tão invulgar.

Abraçada à sua estrutura fortificada – que teve, em tempos, um papel importante na vigilância da costa contra corsários; mais tarde, nas lutas liberais, como forte de milícias; e onde em tempos se cultivou chá e laranjas -, o Pico do Refúgio revela-se como uma das moradas mais bonitas do arquipélago açoriano. A casa de campo que foi do pintor e escritor Luis Bernardo Ataíde guardaria, mais tarde, as bonitas memórias da escultora Luisa Constantina, mãe do proprietário.

A beleza e carisma de Luisa Constantina partiram deste mundo cedo demais, mas no pulsar da terra, nas sinfonias das folhas das árvores e no ambiente, onde a serenidade é tão possível, vivem ainda hoje felizes as suas mais bonitas memórias. Os enormes olhos negros, plenos de visão e liberdade para uma mulher do seu tempo, acompanham os passos de quem se move neste privilégio açoriano. Hoje, o Mehari amarelo com que Luísa mostrava os tesouros da ilha, aos amigos, é substituído por um jipe onde o seu filho Bernardo transporta a homenagem que lhe é prestada, em cada pedra edificada.

Ao longo dos hectares do terreno, as mãos de Luísa Constantina abraçam-nos através das esculturas de basalto. Pedras simples que, do Calhau ou das pedreiras do Dâmaso e da Povoação, deixaram para sempre o cunho da sua criatividade. Impossível passar despercebido pelas esculturas que falam connosco, as discussões apaixonantes de Luísa arrastavam japoneses e americanos, como aconteceu com o seu Simpósio da Pedra para colocar os nutrientes de São Miguel no panorama artístico internacional.

Na missão de que ‘na natureza nada se perde’, a procura de um estádio mais alto atravessam o rosto de Bernardo quando partilha as suas memórias. A Mãe, professora nas Belas Artes de Lisboa, tinha a casa sempre cheia de alunos que livremente eram convidados a usufruir do seu paraíso, e, hoje, na missão do Pico do Refúgio, há um enorme sentido de acolhimento. O mesmo acolhimento com que Luisa Constantina enchia a casa de simbologias e traços. Traços frágeis, traços implacáveis, idealistas, e, nas palavras de um amigo, traços delineados pelas mãos, ‘tão largas como as de um oceano’, um oceano que ainda hoje, e na expressão de Bernardo, transpiram a sua voz e sorriso contagiantes.

A um dos seus ‘querubins’, deixou o legado, e coube ao filho mais novo a missão de preservar o que de mais bonito tem a nossa passagem pela vida. Talvez seja esse o argumento que me leva a uma viagem que toca, mais uma vez,o sagrado tão raro deste ‘sitio frágil que é o mundo’: a viagem ao ventre da terra, num curso de mergulho de cinco dias, para o qual o Pico do Refúgio também está preparado com um pequeno Centro de Mergulho, pronto a destruir ansiedades ou e para alcançar um dos estados de silêncio mais poderosos de uma vida.

Com vinte hectares à disposição dos visitantes, em parte inseridos na reserva ecológica regional, a agricultura (que produz compotas caseiras, com os frutos que cultiva) vive sob o voo das aves. Longos são os passeios que podemos dar na quinta, assim como os mergulhos e horas de surf na Praia de Santa Bárbara, a poucos minutos. O movimento da casa é acompanhado pelos caseiros, Manuel e Maria José que, na família há quarenta anos, partilham a saudade da grande mulher desta casa.

Na extensão de que a partilha é uma causa importante para a família do Pico do Refúgio, há ainda jantares feitos à medida. A minha experiência contou com o Chef at Home que, no talento de Rui Jordão de Menezes, me transportou aos sabores açorianos, versão sofisticada: ceviche de cação, ananás de São Miguel e pepino, aneto e lima; sopa fria de meloa de Santa Maria, aipo, funcho e caril cogumelos recheados com morcela regional e ananás; lombo de atum dos Açores com molho de maracujá e “mash” de batata-doce; a terminar com  uma tarte de queijo fresco com doce de amora selvagem. De poucas palavras, mas com muito talento, o chef deu-me uma das melhores experiências gastronómicas de todas as viagens que já fiz a terras dos Açores.

Da natureza, recolheram-se os sabores, assim como do ventre da terra e, nas profundezas do Atlântico e pela magia do Pico do Refúgio, inspirei os Açores, desta vez, a beleza em estado líquido e os sonhos de uma família, assim, idilicamente a pureza desta ilha vulcânica, no seu estado mais belo.

crónica Saída de Emergência publicada a 20 de setembro de 2012 na Vogue online

imagens de Sancha Trindade, Bernardo Brito e Abreu e Nuno Sá e Pedro Duarte Jorge

Pico do Refúgio
Roda do Pico 5, Rabo de Peixe, Ribeira Grande, São Miguel
Tel. 296 491 062
www.picodorefugio.com

Sancha Trindade voou com a Sata