I wander around the city and its escapes, discovering the experiences that are worthwhile in a world full of noise.
As a curator of the best of Portugal and sometimes as a World traveller, with more than twenty years of articles published, in the national and international press, and also as an TV Show. author, this is my digital magazine, where I present my curated collection of exquisite life experiences.

Sancha Trindade


Dias depois de ter chegado da surpreendente e criativa Berlim, e a poucas horas da abertura, a Pensão Amor Lisboa inunda-me de tudo, numa história que me faz continuar a escolher esta cidade como a minha eterna amante.

Desço, já de noite, a Rua do Alecrim – onde cresci, e, com a ternura da infância que ainda se pendura à memória das mãos de veludo do meu Pai, alfarrabista no quarenta e quatro da mesma rua, entro no número dezanove, que promete, com beijos demorados, abrir a boca da cidade.

São beijos surpreendentes, beijos roubados e inesperados que me enchem de tudo o que sempre defendi desta cidade. E se, por momentos, pela pimenta que sinto no ar, me escondo dentro de um dos armários da pensão, com um dos poemas do cabo verdiano Daniel Filipe, visualizo o encontro. ‘Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura, souberam entender-se sem palavras inúteis, apenas o silêncio, a descoberta, a estranheza de um sorriso natural e inesperado.

No elogio à preservação, a história da Pensão Amor deseja manter-se intacta e, se um dia faziam as alegrias das meninas e dos marinheiros que se amavam em corpos de paixão, ontem, quando entrei neste projecto, o meu corpo emocionou-se de intensidade e de espanto.

José Carlos Queirós, um dos proprietários da tão soberba LX Factory, recebe-me com escadotes e fios de electricidade a passar por trás. A inauguração está a menos de vinte e quatro horas e os arrendatários dos quartos da Pensão movimentam-se com móveis às costas. O tempo foge mas, mesmo assim, sou recebida com a calma da certeza que este será um dos projectos mais interessantes da Lisboa dos últimos tempos. Na extensão do que foi feito nos edifícios de Alcântara, a Pensão Amor é agora habitada por projectos criativos e escolhidos a dedo, para amarmos ainda mais esta cidade.

E porque ‘de Pensão só tem o nome’, os quartos serão dedicados à criatividade em diferentes formas de expressão, a um palco onde se amará também a música, ou a um bar cevicheria (onde se poderá comer ceviche e outras especialidades peruanas) e que poderá funcionar também para lançamentos de livros, palestras ou exposições.

Com cores quentes, espelhos pendurados, um piano antigo e inundado de fotografias sensuais de várias décadas, o ambiente de média luz sedutora já confirma o futuro sucesso da entrada da Pensão. Os meus pés flutuam na sala dos espelhos e rendo-me à alegria de quem sobe os escadotes no futuro cabeleireiro FactoLab, que exibe padrão animal em pele nas paredes iluminadas pelo lustre antigo. Ao lado, a sempre irreverência do visionário José Pinho, da Ler Devagar, que nos abraça com uma livraria Erótica e, ao fundo, a indiscutível e contagiante alegria da Rosa Dias, na Boutique erótica Purple Rose, que promete desamarrar qualquer teia de aranha de uma das melhores formas de comunicação de sempre.

Subindo ao primeiro andar, sou surpreendida pelas pinturas de Mário Belém, que escada acima caracteriza as meninas de outros tempos: ‘A Regina dá um espectáculo que você nem imagina’ e ‘Anita por quem o seu coração palpita’. O ‘jogo é de cintura’, numa subida aos quartos da pensão que transpiram a azáfama da inauguração. Ateliês, uma loja de origami ou colares para enfeitar todos os sonhadores do mundo, que descubro numa das portas entreabertas a Amélie au Théâtre. Este quarto reutilizou as antigas camas para pendurar as criações de Amélia Antunes. Mas é com Rita Antunes, da Frank&Stein, que, num alinhamento à minha energia entusiasta, me recebe a escorrer amor das mãos. Não tenho dúvidas que este vai ser um espaço onde a realidade dará asas à mais ousada criatividade. Num dos cartazes, sinto a força de três estrelas – Rita, Mónica e Isabel – que de guerra não têm nada.

Abandonando o cenário de regresso ao poema do armário e é ‘em todas as esquinas da cidade, nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos, nas janelas dos autocarros mesmo naquele muro arruinado’ ou ‘no átrio da estação de caminhos-de-ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga um cartaz denuncia o nosso amor’. O amor dos que tanto se elevam como eu, quando assistem ao nascimento de projectos tão apaixonantes como a Pensão Amor e que me faz continuar a querer não abandonar esta cidade.

crónica publicada a 24 de Novembro de 2011 na Vogue

Pensão Amor
Rua do Alecrim, 19 Lisboa
Tel. 21 314 3399
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