‘Lisboa anda muito enganadinha se pensa que só há sardinha no mar’. Assim me recebe a Peixaria Centenária, a nova morada Atlântica do Príncipe Real. Mesmo em frente do Quiosque da Praça das Flores, descobri-a pelas dez da manhã com as sombras das arvores a desenharem-se nas paredes do edifício azul.
Mal entro viajo no tempo e na memória redescubro o aroma, um cheiro Atlântico há muito desaparecido e que só me lembro em criança, quando visitava o Mercado da Ribeira de mão dada à minha Mãe. Todos os que me seguem sabem bem o que eu acho sobre as grandes superfícies. Não só a desumanidade que representam, mas por as considerar grandes causadoras da destruição do comercio tradicional. Por isso quando encontro moradas como esta ser um motivo para passar um dia inteiro a flutuar de agradecimento.
A Peixaria Centenária está linda, com estuques que elevam ainda mais o teto e os candeeiros lanterna que Filipe Alves, um dos sócios, idealizou. Ao lado de Rui Quinta e de Joana Mateus, ambos designers, a ideia surgiu com a espontaneidade de uma história familiar ligada ao mar. Na brincadeira dizem que ‘o Rui era peixeiro mesmo que não quisesse, o Filipe é quem manda vir e põe ordem na peixaria e a Joana que felizmente está calada, tem uma voz que não engana ninguém.’
Para amanhar o peixe foram buscar a muito simpática Tânia Silva que vi amanhar um tamboril como quem sabiamente ousa esculpir uma obra de arte. Na visita o homem do leme foi o Filipe, que vestido como um verdadeiro pescador, emana pinta para ser fotografado pelo The Sartorialist ou pelo O Alfaiate Lisboeta. Como um capitão vai recebendo os curiosos que entram, a querer saber tudo sobre a nova peixaria do bairro. Da Joana que não estava, ainda não lhe ouvi a voz, mas do Rui posso falar.
Sabem aquelas cenas de filme, que vamos a deambular por Berlim e tropecamos em alguém que conhecemos de Portugal a observar a arquitectura como se estivesse a observar prédios pelo Chiado? Homem do mundo, visionário e com um sentido estético responsável por muita imagem linda desta cidade, o Rui é assim daqueles seres humanos a quem temos de agradecer estarem em Portugal. Com tudo para continuar na Alemanha a dar cartas altas no design, escolheu investir na nossa cidade e continua a emanar a sua criatividade e a sua tão abençoada e característica humildade pelas ruas de Lisboa.
Da rua entra também a D. Amélia que leva alegremente um tamboril. ‘Menina, em caldeirada é um prato que dá para quatro ou cinco, e o lombo? O lombo passa por lagosta, não sabia?’. De seguida entra a Vanda que leva carapau para fritar com arroz de tomate e uma cabeça de garoupa, que ‘o marido gosta muito’.
Haja amores assim, possíveis na vida dos bairros lisboetas, onde o nosso Atlântico é elevado ao alto e o peixe fresquíssimo, a preços em conta. a pensar também nos mais idosos do bairro. ‘Aqui neste bairro também mora gente pobre’, por isso a peixaria foi pensada para todos. Seja para quem faça questão de comprar os legumes no Mercado Biológico aos Sábados, seja para as pessoas mais idosas do bairro.
E assim como quem abre a porta a Portugal inteiro, abre-se também o melhor do mundo, e fazem-me comover, enquanto escrevo esta crónica. A respirar bom gosto e aromas Atlânticos, a peixaria marca-me bem fundo e marca um ponto de encontro. Um encontro com o melhor do que somos enquanto seres humanos. Todos os humanos que passem pelo bairro do Príncipe Real para sentir o cheiro do mar.
Peixaria Centenária
Praça das Flores, 55 Lisboa
Tel. 210 112 459
Ter a Sáb 8h30 às 20h30
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