I wander around the city and its escapes, discovering the experiences that are worthwhile in a world full of noise.
As a curator of the best of Portugal and sometimes as a World traveller, with more than twenty years of articles published, in the national and international press, and also as an TV Show. author, this is my digital magazine, where I present my curated collection of exquisite life experiences.

Sancha Trindade

É com a mesa de Natal à vista que testemunho tudo o que a palavra ‘crise’ está a fazer pelo sentido de humanidade. Não apenas nas mesas dos amigos, mas numa mesa de um hotel, que entre o mar e a terra, me entrega, de mãos abertas, o sentido de partilha.

No dia em que jantei na Chef’s Table do Oitavos, foi também o dia em que recebi o novo livro de Miguel Sousa Tavares. Num testemunho de que tudo o que parece inacessível afinal se desmonta, numa fraternidade partilhada até com o desconhecido, o seu livro ‘Cozinha d’Amigos’ revela-se com uma capa de um fundo azul imenso, indentificável com a beleza do Atlântico que acompanha a beira mar do Oitavos. Nas suas palavras, Miguel Sousa Tavares acredita ‘que a cozinha é uma arte e uma escola de vida, assim como o é a jardinagem, a música ou a escrita’. Acredita ‘que é uma fusão perfeita entre o mar, a terra e os pássaros que voam no ar, e que é a maneira mais completa de entender e seguir as estações do ano e de escutar o tempo a passar, sem ser em vão’.

Não seria a primeira vez que me falavam do Oitavos como uma morada que nos leva a voar. Mas há experiências que merecem um tempo mais sagrado, antes de qualquer carimbo. Na certeza de que a humanidade tem facilidade em julgar o que mal conhece, entrego-me a um convite que recebeu o meu sim pela iniciativa visionária.

Ao contrário de tudo o que poderíamos esperar de um jantar num restaurante de um hotel de morada privilegiada, a irreverência leva-me a jantar na cozinha. E o que pode parecer invulgar num primeiro momento inunda-me de alegria por ver o desmoronamento de barreiras também, numa morada onde a distância deveria ser o mais óbvio. É por isso, e na humildade do privilégio de uma vida que não se deixa abater por qualquer sentimento menos alegre ou deprimido, que consigo adorar o que estes momentos de crise têm feito por nós. Há quanto tempo não recebíamos tanto em casa como nunca, numa cozinha onde chegam amigos com os seus ingredientes debaixo do braço? É o elogio da humanidade mais pura, numa palavra que dá sentido à nossa passagem pela terra: a partilha.

Em plena cozinha, onde a equipa se move atarefada a servir os jantares da sala do restaurante, espera por nós uma mesa de seis pessoas. O Chef Ciryl Deviliers, com um sorriso que transpira felicidade em acolher-nos naquele que é o seu mundo, recebe-nos com uma enorme entrega. Não há lugar para distâncias nesta mesa e a carta é feita conforme o sentimento do chef depois de conhecer os clientes do dia. Nos gestos e na atmosfera, o sentimento nobre de cozinhar para alguém a quem queremos bem.

Entre o pão quentinho e as taças de azeite virgem, chegam à mesa um Pic e Croq de queijos e geleia de marmelo; ostras ao vapor com espuma de topinambur e trufas; tigre enrolado em fio de batata, tomate seco e gengibre confitado; e o divinal ceviche em yuzo de ostras, salmão e peix- manteiga. Estamos na cozinha sim, mas nem por isso a estética dos pratos se desfaz, num jantar que, com os diferentes vinhos, escorria animado. As panelas na experiência vêm com elegância à mesa para partilhar um costeletão com béarnaise e batatas salteadas com manteiga de alho, e um ragout de faisão com castanhas, bacon e batatinhas.

Nas sobremesas, o chef pasteleiro Joaquim de Sousa transporta-me por momentos à cozinha de François Vatel. Não havia chantilly, mas a soberba ambundância do chef de Château de Vaux-le-Vicomte, que conseguiu surpreender Luis XIV, estava na sofisticação dos sabores e dos detalhes: tatin de alperce, tarte de lima e merengue; Mont Blanc; babá em calda de maracujá; gelados e sorvetes; os três chocolates; o creme de arroz doce e morangos; a geleia de framboesa sobre biscuit de pistáchio.

Os sabores dignos de uma mesa real do século XVII francês trazem à hora do café um sortido de gomas e chocolates. E se não havia nenhum Rei-Sol, seiscentos convidados ou fogo-de-artifício, havia a certeza de que numa ‘Cozinha d’Amigos’ abraçamos a alegria espontânea que aproxima os desconhecidos, ‘aproxima os amigos, que reúne a família, que dá sentido à casa e às coisas do mundo. Que nos aproxima da terra, das árvores.
Que nos aproxima da felicidade’.

crónica publicada a 1 de Dezembro de 2011 na Vogue

Oitavos Chef’s Table
Quinta da Marinha, Rua dos Oitavos, Cascais
Tel. +351 214 860 020
www.theoitavos.com