O Ritz Clube está de volta

Numa Lisboa de outros tempos, seria invulgar uma mulher entrar sozinha e sem hora marcada, mas hoje o Ritz Clube recebe todos os lisboetas, com amor elevado no peito.

Claudia Duarte faz as honras da casa e, com um coração impresso na sua segunda pele de algodão, enquanto me fala do clube, transpira pela cidade um amor tão grande como o meu. Habituada à magia da noite, o carisma noturno da Rua da Gloria reabre o Ritz Clube elevando a fasquia de uma Lisboa típica, castiça e misteriosa, a uma cidade que vai desabrochando lentamente. Bem perto da Avenida do glamour da cidade, o edifício construído em 1908 acolhe uma família de colaboradores que testemunho circular escada acima e escada a baixo. A vibração é de quem acredita e os sorrisos são suaves e gratuitos.

O espaço teve a simplicidade criativa de Marco Sousa Santos e a imagem gráfica esteve a cargo dos Maga. Em dois andares, o recuperado clube abre as portas a Lisboa como espaço alternativo, numa cidade onde é cada vez mais importante haver associativismo e opções diferentes. Esta será mais uma porta de qualidade que contribuirá para uma Lisboa eclética, com vida, como sonham e constroem os mais ousados e perseverantes.

Depois da escadaria carmim, as opções abrem-se ao Wine Bar e à sala onde será possível petiscar até altas horas. A cargo do chef António Camacho, que em tempos remava na equipa de José Avillez, é possível escolher da carta: Wrapp de Frango c/ Piquillos, Chouriço, Queijo creme e Manjericão, Estaladiço de Legumes Grelhados c/ Queijo de Cabra e Molho de Pimentos vermelhos, Ceviche de Garoupa e Camarão, Erva-Limeira e Citrinos, Chowder de Salmão marinado, Gin Mare e cebolinho a terminar com um Brownie de Chocolate e Baunilha couli de café.

Como uma morada transversal e de surpresas, há ainda uma entrada secreta neste primeiro piso que promete surpreender Lisboa. Ainda sem porta aberta, sou provocada com uma cereja no topo do bolo. Curiosa por natureza ainda tento descobrir o que será, mas agarrando-me ao lema de que a espera aumenta o prazer, aguardarei convicta pelo espaço ainda no segredo dos deuses. Armindo Saraiva veio do restaurante Aura, e como escanção dá lustro aos copos na sala mais pulsante de todas. As paredes e as cortinas encarnadas e o espelho ao fundo da ala marcam este espaço do clube.

No piso de cima Lisboa promete – desculpem-me o ‘vernáculo’ – abanar o capacete ou mesmo soltar a franga. A sala dedicada aos concertos com área total do edifício é rodeada por um balção e centrada por um palco, que recebeu Sérgio Godinho na inauguração. No segundo, Murdering Tripping Blues vestem a farda de DJ e abrem as hostilidades no novo Ritz Clube com um combate de pratos protagonizado por Zé Pedro e Luís Varatojo. ‘De xutos a naifas, todas as armas são permitidas neste confronto amigável desde que a música puxe à dança’, com a certeza que este andar promete dar que falar em Lisboa.

A dois passos do metro ou do parque de estacionamento da grande Avenida da capital, a liberdade é para dançar. Numa Lisboa de outros tempos abandonava-se o Ritz Club apenas para trabalhar. O barbeiro que preparava os senhores antes de mais um dia de trabalho, numa das salas onde hoje é a cozinha já não existe, mas aqui Lisboa tem uma morada onde o sangue se pulsa com o entusiasmo de quem gosta de estar vivo. Assim fala a programação que vai receber Matt Elliot (1 de junho), Lydia Lunch (2 de Junho) e Matthew Herbert (29 de Junho). Hoje a noite é de Jorge Palma e uma coisa é certa: o Ritz Club promete dar lume à cidade sempre na convicção de que ‘imperdoável é o que não vivemos’.

crónica publicada a 26 de Abril de 2012 na Vogue