I wander around the city and its escapes, discovering the experiences that are worthwhile in a world full of noise.
As a curator of the best of Portugal and sometimes as a World traveller, with more than twenty years of articles published, in the national and international press, and also as an TV Show. author, this is my digital magazine, where I present my curated collection of exquisite life experiences.

Sancha Trindade

Distante das ruas da cidade estão as casas, as muralhas habitadas dos amigos que escolheram Londres como morada, onde no ‘transportes do tempo’ de Ruy Belo se sentem bem. As palavras da escritora com que iniciei esta coluna segredou-me também que ‘ninguém pode dizer que conhece Londres se não conhecer um londrino de gema, se nunca tiver descido uma rua secundária, longe das lojas e dos teatros, e batido à porta de uma casa particular num bairro residencial’. Antes de partir alertaram-me para a eleição do bairro, onde elegeria a minha morada destes dias londrinos. Chelsea está longe de ser o meu bairro ideal, não pela sofisticação que aprecio, mas pela falta de criatividade que alcanço noutras esquinas da cidade. Gosto de viver surpreendida e mais importante do que o bairro onde vivo, a importância da experiência de uma cidade através de pessoas extraordinárias, que com as suas mãos me abrem portas como revelam segredos.

Retida pelas imagens da fita ‘Bricklane’ de Sarah Gavron, de um romance de Mónica Ali, imaginei muitas vezes os encontros dos seres humanos através de portas transparentes. Uma imagem que trouxe no meu livro de notas, como um quadro a descobrir em ‘East London’. Old Street é a estação de metro que eleva ‘o fósforo para o milagre do fogo’. Hoxton, Hackney, Bethnal Green, Shoreditch, manchas de criatividade coladas que revelam estímulos e excentricidades capazes de acordar os vultos da célebre frase de Johnson, aqui nestas ruas, não há mesmo espaço para nos fartarmos da vida.

Na excelência dos seres humanos
Londres é transversal na mudança rápida de cenário, em que de um segundo para o outro mudamos de uma elegante loja de Bond Street para uma cave Felliniana em Shoreditch. A dádiva da experiência devo-a a Miguel Domingos, um fotógrafo de moda que respira talento pela pele do seu percurso. Enquanto vivemos um poderoso ‘english breakfast’ no ‘The Premisses’, um café em Hackney também estúdio, onde já gravaram nomes como Nina Simone, Nick Cave ou os Buena Vista Social Club, revela-me o início do caminho na London College of Fashion. Londres é a sua base há nove anos, mas trabalha também em Paris, Barcelona, Berlim, Madrid e Lisboa pelas agências Volitif e Luckenpoint. Nas suas mais elevadas memórias partilha-me os ‘backstages’ da Paris Fashion Week (Karl Lagerfeld, Vivienne Westwood, John Galliano ou Lanvin são alguns dos nomes com quem colabora) e a sua colaboração na Art Partner, a agência nova iorquina onde estão agenciados os fotógrafos Mario Testino, Mario Sorrenti ou Terry Richardson. Das suas histórias retenho-me na palavra mais forte, ‘Londres é uma cidade vibrante’ e na companhia da energia de uma pessoa que transpira amor pela vida, descubro a tão esperada rua de Bricklane. São montras vintage e lojas escondidas como a fascinante Beyond Retro, mas também a paragem obrigatória na Baigel Bake (para provar os famoso Baigels de salmão fumado ou ‘salt beef’). Livres como pássaros em Istambul, percorremos a Cheshire Street, a Columbia Road com o seu famoso mercado de flores ou o salão de beleza The Powderpuff Girls onde é possível viajar no tempo para pedir um penteado dos anos cinquenta, com decoração e ‘staff’ a condizer. Ainda o mercado e as lojas de Broadway Market, o ar berlinense do Haggerston Bar, ou o tal bar digno dos filmes de Fellini, o Joiners Arms. Nas suas grandes eleições e numa escapadela ao Soho, e mesmo à frente da lojas de bolos mais excêntrica da cidade, a Cox Cookies & Cake, ainda o imperdível restaurante de ostras e marisco, o Randall & Aubin, onde atmosfera e champagne da casa ressuscitam o cansaço dos dias. Miguel vai registando movimentos por trás da câmara, e o voo acaba na simplicidade de um restaurante tailandês de bairro, o Rosa’s, no número 13 de Hanbury Street, onde remato um dia regado pelo privilégio da criação.

Hoje, leva-me contigo
É fácil perdermo-nos na cidade. E não falo de nos deixarmos navegar pelas ruas, mas de ter a sensação que alguma coisa nos está a escapar enquanto fazemos uma outra. E se a cidade é uma bênção, na sua extensão tropeço num projeto essencial para quem quer conhecer a Londres dos londrinos. Simply Rosa é um projeto de Rosa Mello do Rego que virou a página de um percurso na galeria Hauser & Wirth para iluminar as ruas desconhecidas. Habituada a planear a cidade que vale a pena ou a Londres escondida dos guias turísticos, foi com a Rosa que conheci uma das moradas mais apetecíveis para um brunch de East London, o Albion. Situado na Boundary Street, um restaurante, mercearia fina, padaria, galeria e hotel, que recomendo a quem queira ficar no lado mais irreverente do mapa londrino. Ainda longe dos sublime, mas óbvio Hakkassan, deliciosos achados como o ‘ginger pudding’ do The Lansdowne, o vinho quente com canela no The Engineer Pub, os sumos de cenoura e gengibre da frutaria de Primrose Hill, as pizzas da Story Deli, o bus vegetariano Rootmaster, a melhor sopa vietnamita de Londres ou lojas onde o design se encontra temporariamente, como a The Temporium. Haverá sempre mais experiências para viver e como grande razão para um futuro regresso, a loja The Last Tuesday Society em Mare Street, que exibia uma vitrina de fazer inveja às montras da Harvey Nichols. Nas suas escolhas mais clássicas, um episódio nos armazéns da cidade. Do Liberty a beleza do edifício, do Selfridges a seleção excecional e várias prateleiras de revistas que dariam muitas tardes inteiras de leitura. Ainda uma cena digna de um filme. Enquanto Rosa se compromete, mais uma vez, a sua serenidade à concorrida fila da Nespresso – e aqui lembro-me do privilégio de o podermos fazer a céu aberto nas ruas do meu querido Chiado, ou da genialidade de em Lisboa a reciclagem das cápsulas ajudarem os que mais precisam – observo o momento. Na vitrina as peças desenhadas por Manish Arora, chávenas de café que contam a história de dezasseis princesas, que representam as dezasseis novas sensações Grand Crus através de ilustrações cheias de cor e significado. Ainda um casal que na troca de sacos detetada a tempo, me fez lembrar o ‘Falling in Love’ de Ulu Grosbard, onde Robert de Niro e Meryl Streep trocam as compras de Natal. Sem acesso ao final da história é já em Camden Town que assisto a três epílogos. Encontro-me no London ShortCutz, uma iniciativa que Rui de Brito teve a genialidade lançar no Bicaense todas as terças feiras em Lisboa. Espaço para realizadores de todas as formas e feitios abrirem as páginas das suas criações ao mundo. A ideia estendeu-se a Londres pela mão da atriz Alice da Cunha e numa sala no Proud Camden, que ocupa um estábulo antigo, acontece o encontro dos livres cineastas.

Na troca das palavras escritas
Perto de Sloane Square marco encontro com a realizadora Cristiana Miranda. Reconhecemo-nos pelo sorriso inconfundivelmente atlântico, numa das salas da Saatchi Gallery. O seu primeiro trabalho de sucesso foi um documentário de três minutos para o Discovery Channel, sobre Dita von Teese, que lhe valeu o reconhecimento do meio e a concretização de novos projetos. Mais do que os inúmeros filmes publicitários para marcas conhecidas, ou videoclips como o ‘The Day Before the Day’ para a cantora Dido, elevo-lhe o talento humano enquanto partilhamos Cesariny. Sentamo-nos no café da galeria e enquanto me descreve como teceu a sua senda do sonho tenho como cenário os vultos que passeiam pelos jardins. ‘Entre nós e as palavras há espaços cheios de gente de costas, portas por abrir que podem tirar do mais fundo de nós o mais útil segredo’. Trocamos palavras escritas, palavras legíveis e mesmo sem as cordas do violino do poeta, testemunho uma menina mulher que com todo o sangue do mundo, constrói a cidade criativa muito além do azul. Londres é isto. Uma morada onde à mesa do café me cruzo com os seus viajantes. E na memória dos que ainda não conheci, o privilégio de uma cidade inundada de imagens futuras e um grande voo no estandarte que os move. Uma grande bandeira branca desenhada como quem conta uma história e escreve sorrindo, ‘aqui, onde o mundo é a nossa casa’.

coluna ‘à mesa do café trocamos palavras’ publicada a 18 de Dezembro de 2010 no suplemento Outlook do Diário Económico