Os corpos movimentavam-se suados. Lisboa feminina numa noite quente de Outono, expunha-se através dos deslocamentos das peles com sede. Sede de cultura, sede de vivências, sede de pessoas.
Há dois anos quando fiz a minha primeira montra viva retive-me nas imagens que a cidade me oferecia. Do movimento, alguns olhares fixavam-me a memória. Rostos que davam a certeza das palavras antes escritas: levaremos anos a esquecer alguém que apenas nos olhou.
E foi numa noite de Lisboa incendiada pelo terceiro aniversário do Kaffeehaus – obrigada aos austríacos Christoph e Konrad pelo tanto que já nos deram – que me retenho no olhar de um viajante da noite. Inundo-me de tudo sempre que o movimento da cidade me move. E das viagens do tempo o reconhecimento de um congelamento do quadro, que oferecia a Lisboa dentro de uma montra de vidro.
Nos encontros de uma cidade tão única como esta, abraço um tempo que é mais sábio do que qualquer desejo de alma. Não vale a pena acelerar nenhum ponteiro da vida, quando se acredita que se chega ao lugar esperado no momento mais preciso. E talvez seja esta a fórmula mais criativa para se viver em agradecimento e abundância.
Desço o Chiado a encontrar amigos que mudaram para Berlin. E retenho-me no potencial da minha cidade, quando abro as portas do Lounging Space da Experimenta Design.
O edifício onde pulsa o coração da Bienal tem a estrutura de um convento fundado em 1633. Com cento e sessenta e cinco anos de tribunal da Boa-Hora foi com ansiedade que me descolei do grupo para percorrer as alas na minha única companhia. Perco-me nos corredores onde deambulam sequiosos como eu, e entro nas muitas salas que escorrem imagens cénicas até ao menos apurado dos seres humanos. Desde que me conheço e que observo as ruas de olhos postos ao alto, absorvendo com sempre com sonho todos os edifícios do qual me privam, permito-me a uma descoberta de um tesouro edificado.
E não vos vou escrever sobre a programação da Bienal porque não acho que seja o mais importante destas linhas. Não vos vou escrever sobre os objectos, as intervenções audiovisuais, os debates temáticos, os workshops, ou as apresentações. Porque não é aí que elevo o mais importante desta Saída de Emergência.
Partirei um dia deste mundo ansiosa por todas as chaves escondidas. Chaves dos edifícios vetados aos viajantes com sede do maior potencial lisboeta. E se ontem descobri mais um edifico de paredes descascadas e azulejos antigos, questiono-me sobre não partilha de tantas moradas que como esta deveriam ser habitadas.
No movimento dos corpos selam-se sorrisos, selam-se vontades. E numa noite quente onde desejamos partilhar a intensidade do momento com a beleza que me une à intimidade do desconhecido, retenho-me na importância dos esconderijos e nas palavras mais puras. Ao abrirem as portas a uma Lisboa que se anseia a si própria, manifesto a exigência de querer mais. Sempre mais. Assim como quem recorda no seu espaço mais sagrado o que nunca aconteceu.
Experimenta
Antigo Tribunal da Boa-Hora
Largo da Boa-Hora, 13 Lisboa
Tel. 210 993 045
www.experimentadesign.pt
Dom a Qui 11h às 24h
Sex e Sáb Vésperas de Feriado 11h às 2h
Até 27 Nov
crónica publicada a 29 de Setembro de 2011 na Vogue