I wander around the city and its escapes, discovering the experiences that are worthwhile in a world full of noise.
As a curator of the best of Portugal and sometimes as a World traveller, with more than twenty years of articles published, in the national and international press, and also as an TV Show. author, this is my digital magazine, where I present my curated collection of exquisite life experiences.

Sancha Trindade

E a senda do positivismo?

O Chiado está repleto destas frases pelos passeios. Esta foi tirada esta semana na Praça do Camões. Intrigou-me quem libertaria uma mensagem destas. De onde vem, quem a escreve. Demorei alguns dias a decidir o que fazer com ela e no dia em que me vesti de passos atlânticos decidi fotografa-la.

A minha semana foi um caos de tempo. Andamos todos a trabalhar o triplo, ou mesmo mais e parece que no final do mês voa tudo, e os porquinhos das casas de Portugal andam todos com fome. Poupanças nem vê-las. Para mim faz algum sentido, já que tem sido um ano de investimento grande. Sejam propinas, seja o meu novo escritório no Chiado ou o lançamento desta plataforma que me fez assinar tantas concessões das quais jamais me arrependo.

Por isso quando li a frase não me identifiquei. Os tempo estão difíceis e sei que para mim é mais fácil porque a boca é apenas uma, mas os meus Pais ensinaram-me que há sempre solução. E sim é fundamental em tempos como o que atravessamos, focarmo-nos na energia positiva, na energia que temos para mudar o presente ou a realidade.

À parte de organizar festas e alguns jantares para os amigos ou família não gosto de tarefas domésticas por norma. Aborrece-me ‘a miséria dos dias iguais’ nas palavras de Alexandre O’Neill. Mas de tudo o que não adoro, lavar a loiça é o menos mau. Não sei se é a terapia do concerto da água, não sei se é a tarefa que por ser rápida repõe a ordem, não sei se é o caricato de ter de usar luvas para tocar a loiça suja. Adoro luvas e isso já o Sr. Carlos da Luvaria Ulisses sabe. Devo ser das melhores clientes e adoro fazer algumas concessões para todos os anos investir numa das lojas mais deliciosas de Portugal.

Mas voltemos à frase dramática. ‘Se não tivesse o que comer’, acho que o mais obvio e dado o talento e disponibilidade para a tarefa, lavaria. Lavaria muitos pratos em restaurantes. Não é por acaso que a frase tropeça há anos em tantas histórias ou telas de cinema.

Estou com a sensação que este texto não me fluiu das mãos, mas penso que fui apanhada por uma frase que não tem espaço na minha vida. Em todas as quedas da vida, o que aprendi é que é meio caminho andado focarmo-nos na solução. Não nos iludirmos, mas fazermos o que temos a fazer, sem perder energia a chamar os Governos disto ou daquilo. Que não fizémos o que devíamos com a nossa democracia, disso não tenho dúvida. Que não tempos gestores de excelência nestes trinta e tal anos de liberdade também não tenho dúvida. E que estamos perante tamanha injustiça social também. Se conseguiremos todos cá ficar? Não sei.

A única certeza que tenho hoje é que até me ser possível continuarei aqui estoica e protegida a este tipo de mensagens derrotistas. Volto a escrever que nasci com a palavra crise e penso que partirei deste mundo com ela a perseguir-me. Por isso, a resolução é simples. O verdadeiro luxo está em tirar prazer de pequenas coisas da vida. Não estamos em tempos (eu nunca estive) de sermos felizes em função de um carro novo (até estou a pensar em desfazer-me do meu e passar a usar a bicicleta mais vezes) ou uma assoalhada a mais. E é por isso que adoro esta crise, o que ela tem feito por nós, humanidade. Com muitos sacrifícios para muitas famílias é verdade, mas não estamos nós Portugal agora muito mais próximo da Verdade. Haverá maior dignidade para a alma humana de viver em verdade, em confraternização e em solidariedade? Não é elevado o verdadeiro luxo de uma vida ser a pequena alegria de dizer bom dia num elevador, ou sorrir a um desconhecido que passa por nós na rua?

Sei que sou uma privilegiada, mas não se iludam os dedos apontados: cada dia é uma conquista e também eu tenho a minha dos
e de sacrifício. Quanto à ‘alimentação’ dos povos, seja ela física ou emocional, a humanidade abusou do que precisava para viver. Comida em excesso em embalagens de plástico dando origem a gordura mental. E novos hábitos estão a ser vividos, julgo eu muito mais próximo do que é necessário para as vidas humanas. Mudar nunca foi fácil e quebrar novas habituações tem um impacto forte no ser humano. Mas no final penso que todos sairemos mais limpos desta crise. E mesmo com os bolsos mais vazios – e com a certeza que o dinheiro não é mais do que uma energia que está cá para nos servir – será no cnforto da liberdade, de uma felicidade que não é regida pelo consumo em excesso, que nos alimentará a essência mais profunda.

Pode ser que um dia me ponha a escrever pela cidade ‘ e achas que vale a pena antecipar os problemas?’ ou ‘desesperar ajudará a resolver o problema?’ ou ‘e tu atrever-te-ias a lavar escadas?’ Esta ultima é mais dramática, mas quem quer trabalhar trabalha. Se há emprego garantido? Claro que não, mas eu vivo assim há anos e não me tenho saído mal. Apenas porque cada dia dou o litro sem me encostrar a nenhuma estrutura e agradeço, agradeço ao Todo viver bem nas travessias da corda sem rede.

‘Viver pode ser tão simples’, segreda-me um viajante do mundo que muito admiro. E nessa simplicidade, vos garanto, temos ao nosso lado, os outros, os que caminham ao nosso lado e a palavra solução. Com excepção da ‘morte’ há sempre solução.

Sobre o ‘e quando não tiveres o que comer?’ deixo-vos um manifesto muito mais profundo do que um jantar de amigos numa das minhas montras humanas. Não somos nada sem os outros.