Quando se chega à região de Champagne as vinhas estendem-se pela essência da terra que ondula suave. Chego a Reims nos dias dos tons mais dourados dos campos, onde a beleza das vinhas se mostram mais esplendorosas. Há qualquer coisa de muito suave a tranquilo que se evapora da terra, mesmo quando reconheço com alegria que o nosso Douro continua a ser uma das mais bonitas paisagens do mundo. A palavra ‘champagne’, ocasionalmente aportuguesado para ‘champanha’ ou ‘champanhe’, deriva do latim popular ‘campania’, que designava uma paisagem de campos abertos e se em Champagne não existe a marca de um rio comovente, a ondulação que nos envolve nas vinhas fazem-me coleccionar postais de momentos, onde apenas há espaço para a arte de viver a desejar beleza para este campo lavrado que é a nossa vida humana.
Nos dias mais gloriosos onde se tira a rolha com alegria, uma garrafa de champagne transporta-me para os onde abrimos tesouros com fitas de cetim vermelho vivo. Nessa imagem cénica, abro as portas de uma das maiores caves de champagne, a casa Mumm, imortalizada pelo célebre Cordon Rouge nascido em 1875.
Desde o fim do século XIX que esta casa utiliza nas suas garrafas a fita colorida como homenagem à faixa da Legião de Honra, a mais alta distinção francesa criada por Napoleão I , um símbolo que representa a procura da perfeição e espírito de aventura. Elaborado com uvas provenientes das melhores vinhas da região de Champagne e respeitando as tradições e o ‘savoir-faire’ ancestral, o Champagne Mumm é a terceira marca mais vendida no mundo, e a segunda com mais sucesso em Portugal. A sua gama generosa, e que tive a oportunidade de provar, com Didier Mariotti passa por várias emoções diferentes. O Cordon Rouge, o Champagne dos Champagnes apresenta um carácter único e um paladar que nos transporta para um universo de sabores com uma grandeza excepcional. Na sua extensão, o Demi-Sec , uma tradição de prazeres intensos, fresco e untuoso, é o mais macio dos champagnes da Casa. No Rose sente-se o charme em estado líquido e sendo uma cuvée original, combina a delicadeza do Cordon Rouge à força e frutado do Pinot Noir, e por isso, muitas vezes ambicionado pelos desejos mais femininos. No Mumm de Cramant, a cuvée de excepção é rara e preciosa, elaborada na mais pura tradição ‘champenoise’ desde 1882, o champagne apresenta-se com uma efervescência delicada, uma selecção rigorosa de vinhos Cramant cem por cento chardonnay que lhe conferem um sereno estado de pureza.
Por trás de uma grande garrafa há sempre um grande homem
No caso da Cuvée R. Lalou 1998 a bebida é eleva-se ao alto. Envelhecida por uma década nas caves G.H. Mumm, é definitivamente e por direito próprio, um vintage de alta gastronomia, a sua generosidade e riqueza expressam a mais profunda essência de um terroir e da sua história. Criado para prestar homenagem ao visionário René Lalou, inspirado criador de terroir, esta cuvée de excelência inspira-se na sua ilustre predecessora – a Cuvée René Lalou de 1985 – ainda hoje um vintage lendário para muitos apreciadores de champagne e um verdadeiro tesouro para muitos dos grandes chefs e sommeliers de todo o mundo.
Inspirada no blend utilizado na cuvée original, a sua concepção reflecte profundamente o carácter do terroir das vinhas garantindo que apenas o melhor do melhor é utilizado. Proveniente das vinhas mais antigas e com características assertivas da sua localização, não se trata de uma mistura simples de diferentes vinhos, mas uma selecção de mestria de parcelas específicas, escolhidas de uma palete de doze vinhas, todas elas situadas no coração histórico dos grands crus e que constituem a palete de cores onde o Chef de Cave, Didier Mariotti encontrou a sua inspiração.
‘A prova dos jovens vinhos a serem utilizados nesta cuvée revelou quais os de maior intensidade e força, quais os mais distintivos e complexos, os que revelavam frescura ou notas minerais e subtileza. Vinhos das parcelas dos Hannepées são densos e concentrados, com notas complexas de bagas vermelhas. A robustez e o corpo destes vinhos torna-os imprescindíveis no blend. Por outro lado, do patchwork das doze vinhas eleitas, os chardonnais originários de Bionnes têm o estilo e elegância de um puro-sangue. Aromas florais a acácia e camélia sobressaem de uma base cítrica. Estes são vinhos com profundidade e equilíbrio, mesmo em anos difíceis, e dão longevidade à cuvée.’ Apenas sete dos doze vinhos são seleccionados para a mistura final fazendo o equilíbrio entre os Pinot Noir e os Chardonnais’. Na condução da prova, este Champagne fora de série, apresenta um tom dourado, fino e brilhante, capturando a luz e os seus aromas que de vão desdibrando num crescendo. A primeira impressão é de elegância, sublinhada por uma complexidade aromática que dificulta a análise final do vinho, tantos são os elementos interligados e o olfacto abre-se em frescas notas críticas e minerais, possivelmente a marca das parcelas de les Bionnes e de La Croix de Cremant. Logo depois, podem ser detectados traços de Crupots, se não de les Rochelles transpirando toda a sua complexidade, com aromas de nougat, laranja, flores brancas e mel de acácia. Acentos de citrinos e frutas exóticas, baunilha, avelã e amêndoa torrada exasperam-se de seguida. O vinho parece estar dançar entre frescura e maturidade e na boca é limpo e jovial mantendo o equilíbrio entre estrutura e acidez, apesar de seu carácter complexo e generoso. O fim é consistente, com um ligeiro amargor no grande final.
O ano de 1998, foi o eleito por ter sido marcado por fortes contrastes climáticos que após um inverno moderado e seco, foi marcado primeiro por gelos e depois por granizo, seguidos de chuva até ao momento de floração das vinhas. O início do verão fresco, seguido por um Agosto tórrido e as fortes chuvadas abriram o mês de Setembro, mas as vindimas foram solarengas, dando aos vinhos um alto grau de maturidade e frescura. A Cuvée R. Lalou 1998, envelhecida por uma década nas caves G.H. Mumm, revela-se então como um vintage de alta gastronomia, onde a sua generosidade e robustez só são igualadas pela sua riqueza e complexidade ímpares. Com este champagne a casa G.H. Mumm criou uma cuvée que, mais que qualquer outra, expressa a mais profunda essência de um terroir e da sua história.
artigo publicado na revista Fora de Série do Diário Económico a 11 de Novembro de 2011