Berlim, Em estado 'belo'

Berlim habita um dos países mais eficientes do mundo, mas, na velocidade das ruas, não se sente o stress latente das vidas humanas. Não que com isso os alemães sejam um povo simpático, diria mesmo que fazem gala em não o serem, mas há qualquer coisa de suavidade controlada que escorre das ruas desta cidade.

O Q! Hotel Berlin encontra-se num bairro onde estão as mais caras lojas de Berlim – Kurfürstendamm straße – e se o objectivo não era observar as montras das grandes marcas do mundo, é também nesta zona da cidade (há a excepção da You Read Me especializada em revistas e arte no Mitte) que estão as melhores livrarias. O Q! foi o primeiro design hotel aberto em Berlim desde 2004 e tornou-se famoso por ser uma das escolhas de Brad Pitt. Não sendo essa razão a mais importante, é nas suas formas que encontro o seu carisma. As cores quentes, as madeiras moldadas, os materiais inusitados, como a imitação de avestruz em couro, o carvalho e as lajes de ardósia resultam numa atmosfera descontraidamente relaxante, num elogio ao design mais holístico. Tem ainda a mais-valia da estação de metro Uhlandstrasse e a estação de S-Bahn (comboio urbano) Savignyplatz estão a cinco minutos a pé.

Melhor do que a ilha dos museus que lhe oferece colecções únicas no mundo, como a do Pergamon, é o encontro com os artistas da cidade. Rui Calçada Bastos abre-nos a porta da Galerie Invaliden1 no vinte e dois da Brunnenstraße com a sua exposição ‘If you`re going through hell, keep going’ . Com uma juventude nas mãos e nas palavras, e de partida para Bruxelas para onde se ia mudar por uns meses para um projecto que está ainda guardado no segredo dos deuses, o fim de tarde registava entusiasmo e sonho. Em Berlim desde 2002, observo que, tal como dizem também as palavras de Ruy belo, a sua pátria é onde se sente bem. E enquanto me mostra obras das últimas exposições, é com consciência do talento que verbaliza: é no mundo que encontra espaço para as asas que transportam a mala que vai inundando o que de melhor têm as cidades que o estimulam. Num domingo inesperado de Berlim, e enquanto me retenho numa das imagens da ultima exposição de Noé Sendas, os amigos procuram a companhia de um vinho português enquanto galeristas do mundo, se retêm na transpiração da criatividade de Rui Calçada Bastos.

Nos clássicos da cidade, o Check Point Charlie não deixa esquecer a Guerra Fria; a Avenida Unter den Linden, uma das mais famosas de Berlim; a Catedral Berlinense; a Torre da Televisão, a estrutura mais alta da cidade; ou o Reichstag, o Parlamento Alemão com a imperdível cúpula de Norman Foster. Numa celebração ao vintage, não perca a feira no bairro de Prenzlauer Berg que tem também os melhores brunchs e mais acolhedores cafés da cidade. Se o seu coração deixar, experimente o desafio, muitas vezes frustrante, de ir ao encontro das almas mais simples que lhe conseguirem retribuir o sorriso. Eu encontrei-o num homem que vendia bolas luminosas no Portão de Brandemburgo. Símbolo da prosperidade e unificação alemã foi, na sua sombra, que a conversa com o desconhecido confirmou o mais importante na arte de viajar: conversas com seres humanos, que talvez nunca mais veremos na vida e que na simplicidade da alegria, de quem a seguir ao trabalho, prefere ir para as ruas de Berlim rasgar sorrisos através da magia da luz. Em busca dos corações que se revelem disponíveis à partilha das palavras, ali estava um momento inesperado, que na união dos que sorriem, tornava possível encontrar muitas das respostas que tantas vezes exigimos ao mundo. Assim como que ‘o que de mais belo soube o disse de repente a alguém que não conhecia.’

crónica publicada a 14 de Novembro de 2011 na Vogue