I wander around the city and its escapes, discovering the experiences that are worthwhile in a world full of noise.
As a curator of the best of Portugal and sometimes as a World traveller, with more than twenty years of articles published, in the national and international press, and also as an TV Show. author, this is my digital magazine, where I present my curated collection of exquisite life experiences.

Sancha Trindade

Alguém me explica esta lapidação de Património? ll

Pelas 11h da manhã de hoje, o proprietário da Farmácia Magalhães teve a amabilidade de me telefonar. Isto porque enviei um e-mail à farmácia depois do post publicado, tal como mencionei no texto anterior a este. Mas antes de partilhar o simpático telefonema,  irei responder a dois comentários específicos do post anterior.

À Evaz sobre ‘lapidar’ e ‘delapidar’. Segundo as suas palavras enviadas no comentário, ‘lapidar’ (verbo transitivo): 1. matar à pedrada; apedrejar 2. talhar e polir as facetas das pedras preciosas, vidros, etc. 3. figurado aperfeiçoar; educar adjetivo de 2 géneros 1. que diz respeito a lápide 2. que está gravado em pedra 3. figurado fundamental 4. figurado artístico 5. figurado perfeito; preciso 6. figurado nítido; claro e’ delapidar’: verbo transitivo: 1. provocar estragos; destruir; arruinar 2. gastar sem regra; dissipar; esbanjar.

Se deveria ser ‘delapidar’ em vez de ‘lapidar’? Poderia sim, mas eu olho para os azulejos de Lisboa como pedras preciosas da cidade e nenhum leitor tem de concordar comigo, mas achei a palavra ‘lapidar’ metaforicamente mais forte, até porque no ponto 3, onde aparece ‘aperfeiçoar’ tem mais a ver com a ação de melhoramento da fachada por parte de quem escolheu o anúncio luminoso. No telefonema fiquei a saber que a intervenção custou cerca de dois mil euros (ia caindo para trás… virgem santíssima que por €300 teria feito uma intervenção linda) e ninguém gasta esse dinheiro senão achar que está a melhorar o seu negócio. Porque acho que a fachada ainda pode ter solução, não quis usar o ‘delapidar’ que tem em conta a palavra ‘destruição’. Com bom senso e um bom restauro, a fachada ainda tem salvação e confesso que a esperança é sempre a última a morrer.

No comentário do Luis Castro e em resposta ao que escreveu: ‘Não se pode exigir o seu grau de “mundo” a toda a gente’. Não concordo e já lho escrevi diretamente. Todos somos responsáveis pelo nosso património, muito mais o que está sobre nossa alçada. Perguntei-lhe se era defensor de um povo que não sabe pensar e que só faz as coisas bem-feitas se for vigiado.  Por alguma razão os números de turismo de Roma, Londres ou Paris nada têm a ver com os nossos. É preciso ter sentido crítico e não esperar que Lisboa só se põe bonita pela mão das vistorias ou das penalidades da câmara. Todos pertencemos à cidade e farto-me de escrever há anos que as cidades são as pessoas. As pessoas que fazem vistoriam sim, mas também as pessoas que nela habitam.

Sobre a falta de mundo também não concordo. Não há desculpa para não nos cultivarmos, exemplo disso é a sala de leitura da Fnac (sempre cheia) ou o caso dos meus amigos mais sábios serem os que vêm de família mais humildes e com menos poder de compra, logo não acredito em desculpas.  Para ter mundo não é preciso ir apanhar um avião na Portela, mas antes procurar o sentido do Belo na nossa vida, além da sabedoria que podemos recolher através dos livros, das pessoas que escolhemos ou dos programas de televisão com que perdemos, ou não, tempo.

Sobre a minha conversa telefónica com o proprietário da Farmácia Magalhães, de nome João e por sinal muito simpático, disse que gostaria de ter falado com outros blogues que também escreveram sobre a sua fachada, mas que não teve acesso a nenhum número. Eu quando escrevo sobre assuntos desta sensibilidade costumo contactar as entidades ou responsáveis em questão. Assim o fiz como escrevi no post em baixo no telefonema que fiz logo pela manhã e que apenas correu bem à segunda tentativa.

Depois do e-mail enviado à Farmácia Magalhães, com o primeiro, pelas 11h recebi a chamada do João que se prontificou a conversar comigo. Disse não concordar com a maneira como foi colocado e lamenta a tinta que está a fazer correr,  porque antes estavam uns toldos velhos e rasgados e que até tem fotos. (Pedi para mas enviar porque gostaria de as publicar e se as receber fica prometido). De qualquer maneira, com ou sem toldo, aprendi no telefonema que néon é bem diferente de um reclame luminoso. Néon segundo o proprietário é iluminar a partir de um gás (não fazia ideia), o que não é o caso. Ora se compararmos à fachada da Farmácia Progresso no Príncipe Real parece-se que esta versão se está a tornar numa praga.

O que com calma conversei com o João (o proprietário) é que aqui, em Roma ou na China o anúncio luminoso é um atentado estético a quem passa na rua, ainda mais a tapar e a estragar, a lapidar, ou a delapidar património.

Prometi a mim mesma escrever estes e-mails mais emocionais e publica-los apenas 24h depois, porque fico tão indignada que acabo por escrever com o meu arco e flechas, em punho e isso pode ferir algumas suscetibilidades ou a leveza com que recolho a sanidade dos dias. Mas a verdade é que é mais forte do que eu, e quando vejo magoar assim a beleza da minha cidade fico revoltada. Cidade essa que precisa de receitas de turismo mais do que nunca e por isso a importância de uma comunidade pensante, em que todos pertencemos e defendemos o nosso património e não apenas as entidades que o permitem ou não.

Não vou pegar pela massa cinzenta de um país que consegue 50% de share numa noite de fim de ano com programas como a Casa dos Segredos. Nem me atrevo a perder energia com essa questão, mas que é revelador da ignorância de um povo, o mesmo povo que tem um país lindo de mão beijada mas que o destrói tantas vezes por ignorância, bronquidão ou ganância? Dá que pensar?, claro que dá…

Penso que o caso da Farmácia Magalhães nada tem a ver com bronquidão ou ganância mas talvez ignorância, ou estudo antes de atuar em defesa do seu negócio. Penso que se resumiu à ideia pre-concebida que um  reclame luminoso vende mais. É importante termos sentido crítico e acima de tudo sentido de visão e neste caso João, eu jamais entraria numa farmácia com um reclame desses, porque éramos detentores das mais bonitas farmácias do mundo e fico chocada com este tipo de intervenção. Faço questão de não dar dinheiro a quem faz uma intervenção dantesca destas a uma fachada com tanto potencial. Sei que e usando as suas palavras ‘tem ordenados para pagar e tem de vender mais’ mas sinceramente não acho que esta seria a maneira mais digna e produtiva para o seu negócio.

E sei do que falo dando-lhe o exemplo do Alfarrabista do meu Pai, agora nas mãos do meu irmão Bernardo. Ora veja a fachada carregando aqui ou a fotografia que coloco mais abaixo. Será que ligariam mais clientes com grande bibliotecas para vender, se em cima dos azulejos ou do vidro pintado que está em cima da montra, colocássemos um reclame luminoso? Nem nos questionamos porque seria um atentado à beleza de Lisboa e da Rua do Alecrim, não concordam?

Não tenho qualquer dúvida que se iluminasse os seus azulejos durante a noite, a cruz verde luminosa obrigatória por lei seriam mais do que suficientes para atrair os seus clientes. Muitas vezes o ser humano não pensa mas o subconsciente sabe o que é bonito. Poderia passar a tarde a dar-lhe ideias de como atrair novos clientes para a Farmácia Magalhães e se mudar a fachada, recuperando-a e respeitando-a ofereço a minha consultoria de graça. A mesma passaria por criar efeito surpresa  nas pessoas que passam na rua, investindo em eventos, num site com novidades, em fichas de clientes com newsletters, provas de alimentos saudáveis… promoções e tudo o que criasse um sentimento de comunidade à volta da sua farmácia inserida num bairro que começa agora a ser desejado pela comunidade mais jovem da cidade. É preciso ver mais longe, pensar no todo e pensar em comunidade. É na personalização dos momentos e na conquista personalizada aos clientes que está o segredo, não nos anúncios que ferem a cidade e o seu património.

Curiosamente hoje cruzei-me com o livro que partilho no final deste post e citando a obra, ‘desde o século XV está intimamente ligado à história do povo português. Quem visita as nossas cidades, vilas e aldeias, pode constatar que ele está presente com uma abundância que não tem paralelo noutro país europeu.’ E é aqui que ganhamos pontos. Lisboa é única, tem um património diferenciador por isso é obrigação de todos nós preservar. Tão importante como ir a uma manifestação ou ter orgulho em viver numa cidade com a beleza única da minha querida Lisboa.