I wander around the city and its escapes, discovering the experiences that are worthwhile in a world full of noise.
As a curator of the best of Portugal and sometimes as a World traveller, with more than twenty years of articles published, in the national and international press, and also as an TV Show. author, this is my digital magazine, where I present my curated collection of exquisite life experiences.

Sancha Trindade

Ajudam-me a iluminar a vida da Branca?

Branca

O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza assinala-se este Sábado. Nessa altura já estarei em expedição num outro continente, mas antes de partir não queria deixar de vos partilhar o meu final de tarde de ontem.

Sempre que vou ao final do dia, a um dos Pingo Doce’s da nossa cidade vejo muita agente ansiosa pelo fechar de portas. A espera impaciente atira-se aos prazos ultrapassados dos caixotes de lixo, à espera de alimentos que possam servir pessoas a quem o pão não chega fácil à mesa. Às vezes engalfinham-se porque não dá para todos, e fico com o coração do tamanho de uma ervilha ao reconhecer o quão privilegiada é a minha vida. Mas ontem voltei a reparar num rosto que não me saiu da memória , um rosto a quem apenas um sorriso poderá fazer a diferença. Assim aconteceu meu encontro com a Branca.

Uma senhora já de idade, com uma carinha de menina, mesmo muito apetitosa e que não fotografei a cara para não invadir no nosso primeiro encontro a sua privacidade. O seu ar de menina reguila dá vontade de apertar de tão querida que é. Vestida de preto porque é viúva e com o cabelo apanhado no alto com um carrapito, exibe um sorriso lindo, mesmo sem os destes que lhe faltam.

Todos os dias vem de Campo de Ourique, porque diz que tem vergonha que a vejam a catar lixo no seu bairro, prefere deslocar-se à Lapa onde a vergonha não é tanta. A conversa fluía com a sua história de vida e a essência da palavra ternura ia aumentando. As palavras soltam-se e o meu olho clínico repara que as pernas estão carregadas de varizes e os dentes faltam-lhe ao sorriso, que mesmo tímido é muito doce e pleno de humildade. Pergunto-lhe se não lhe falta nada mais substancial, e diz-me que não, que apesar dos seus €40 de reforma não lhe falta nada. Mas alcanço nas entrelinhas que um dentista, e um médico que lhe trate das varizes são urgentes. Também roupa quentinha, um bom casaco comprido para o Inverno que aí vem.

Estou de partida por isso não a pude acompanhar a casa, mas mal regresse irei ver o que mais lhe poderá ser preciso. Acho sempre importante ver em que condições vivem, o que lhes falta. Assim de caras toda a comida será importante , e está mais do que prometido um cabaz de Natal, mas gostava de arranjar um sistema para ajudar a Branca, não apenas com o supermercado, mas também com as compras da farmácia, a qual nem sempre consegue pagar.

Enquanto não vos dou mais novidades, pergunto-vos se conhecem algum dentista que estivesse disponível para ajudar a Branca (e é uma senhora tão linda), assim como algum médico que possa ver as suas pernas deformadas de tantas varizes. Roupa de Inverno esquecida dos armários das Avós também agradecia. No meu regresso está prometida a minha visita a casa da Branca e apenas nessa altura (porque estarei 15 dias sem internet) vos direi o que será preciso mais. Até lá agradeço-vos a ajuda que for chegando, à qual responderei apenas dia 3 de Novembro.

A nossa conversa acabou com a chegada do eléctrico 25. Na despedida perguntei-lhe “Posso dar-lhe um beijinho?” Com sorriso de idosa menina respondeu-me: “Menina, mas eu sou pobre…”. Apenas sorri, ajudei a Branca a por o seu saco a bordo do elétrico, dei-lhe o beijinho que tanto queria e despedi-me com um “até já”, assim como quem agradece ao mundo um dos maiores patrimónios da nossa cidade, a sabedoria e a ternura desta sábia.

O elétrico seguiu a rua, amarelo como um foco de luz que se afasta e bem cá dentro no fundo agradeci o ter dado ‘tempo’ ao encontro da Branca e da sua história. E ainda não fui capaz de lhe confessar, mas pobre sou eu, somos todos nós em todos os momentos que não perdemos minutos da nossa vida para termos o privilégio de conhecer pessoas “Brancas”, pessoas puras das nossas cidades.

Se souberem ou quiserem ajudar deixem um comentário neste post ou enviem e-mail para sancha@acidadenapontadosdedos.com . Obrigada :-).